DEU NO DC - MOACIR PEREIRA

Um vice imortal
Atributo cultural que atravessa os séculos, o caráter generoso do brasileiro costuma esquecer os defeitos do ser humano antes que o corpo baixe à sepultura. O sentimento cristão presente nos momentos de dor reforça este julgamento de respeito para com o falecido e sua família.
A coluna de débitos desaparece com a morte.
No caso desta perda irreparável que Santa Catarina e o Brasil lamentam com o falecimento de José Alencar, não há dívidas a contabilizar. O que este digno mineiro deixa como exemplos de empresário e homem público é um extraordinário somatório de créditos, a realçar sua grande atuação.
Como vitorioso industrial, deixou marcas aqui em Santa Catarina. Quando adquiriu a Artex, de Blumenau, orgulho da indústria têxtil, José Alencar assumiu compromisso com o governador Esperidião Amin de manter os benefícios aos trabalhadores, os projetos comunitários e a escola profissionalizante. Cumpriu tudo o que prometeu. Foi além, tornando a escola com melhor formação técnica na área têxtil e aumentando o número de vagas. Conhecia bem e valorizava como poucos a qualidade dos colaboradores e dos produtos “made in Blumenau”. Durante homenagem em Belo Horizonte, prestigiada pelos sete governadores onde seu grupo empresarial tinha suas 11 unidades fabris, destacou em discurso, em 2001, que “a Artex é a joia do grupo Coteminas”.

HOMENAGENS
Na campanha presidencial de 2002, não tinha ainda qualquer relação com os petistas de Santa Catarina. Na véspera da visita, a candidata ao Senado, Ideli Salvatti, sofreu grave acidente quando seu carro capotou na BR-101, em Tijucas. Inteirado da ocorrência, e mesmo sem ter sido sequer apresentado à candidata petista, mudou o roteiro e dirigiu-se ao Hospital Regional de São José para levar sua solidariedade à aliada.
Retornou outras vezes ao Estado. Em 2006, durante a campanha, esteve em Blumenau, onde exercitou a mesma generosidade que seria uma das marcas de sua atuação como ser humano. Visitou o industrial Bernardo Wolfgang Werner, ex-presidente da Fiesc, já sem visão e com a saúde debilitada. Dois anos depois, ainda mais fragilizado fisicamente, compareceu à solenidade de posse de Alcantaro Corrêa na presidência da Fiesc, em Florianópolis. Mesmo protegido pelo esquema de segurança, falou de forma descontraída com os políticos, contou piadas aos empresários e conversou com os jornalistas. Sempre o mesmo jeito: alegre, atencioso, simpático e humilde. A última presença foi há um ano e meio, quando recebeu o título de Cidadão Honorário de Santa Catarina.
Projeto da deputada Odete de Jesus, aprovado pelos 40 deputados, e que se tornou realidade durante sessão solene da Assembleia Legislativa realizada na Câmara de Joinville. Emocionado, interagiu com o público, para destacar: “Santa Catarina tem algo especial que traz orgulho para o nosso país: a qualidade de seu povo e de seus produtos.” E completou: “Durante todos esses anos, busquei fazer o que meu pai me ensinou: agir corretamente, com honestidade, para que em qualquer lugar que você vá, possa voltar e ser bem recebido.”
Aqui, ele sempre voltou e sempre foi muito bem recebido. Por tudo o que fez como empreendedor e pela dignidade com que atuou na vida pública. E, nos últimos anos, pelos gestos de superação, pela vontade de viver e pelo heroísmo com que enfrentou a doença. Para os brasileiros, pelas virtudes e qualidades, transformou-se num vice imortal.